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A TESE DA REVISÃO DA VIDA TODA NO STF: PEDIDO DE DESTAQUE E EXPECTATIVAS

Relembre o caso
A revisão da vida toda consiste, em linhas gerais, na aplicação de todo o período contributivo dos segurados vinculados ao INSS para obtenção da média aritmética simples dos 80% maiores salários de contribuição, conforme regra de cálculo anterior à “Reforma da Previdência” instituída pela EC nº 103/2019.
O objetivo da ação é simples: o aumento do benefício de aposentadoria para os casos em que as contribuições anteriores à 07/1994 apresentam valores relevantes, que beneficiam o segurado, analisando-se caso a caso, e tendo em vista regra de transição imposta pela Lei nº 
9.876/99 que considera apenas as contribuições posteriores a 07/1994, data do Plano Real.
A tese se baseia no resultado muitas vezes prejudicial da regra de transição, prevista na Lei nº 9.876/99, que na verdade teria o escopo de garantir direitos adquiridos, ou em vias de serem alcançados pelos segurados que possuíam maiores contribuições antes da alteração da moeda nacional, e evitar que esses tivessem seus benefícios diminuídos pela nova regra – o que efetivamente acabou acontecendo. O enfrentamento da matéria que levou o nome de revisão da vida toda havia ocorrido pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, que concluiu de forma favorável e fixou a tese do Tema nº 999/STJ, julgado sob o rito dos recursos repetitivos,
onde se definiu:
Aplica-se a regra definitiva prevista no art. 29, I e II da Lei nº 8.213/1991, na apuração do salário de benefício, quando mais favorável do que a regra de transição contida no art. 3º da Lei nº 9.876/99, aos segurados que ingressaram no Regime Geral da Previdência Social até o dia anterior à publicação da Lei nº 9.876/99.
No entanto, em razão da interposição de recurso extraordinário pelo INSS (RE nº 1.276.977), a decisão final sobre a viabilidade da revisão da vida toda ficou a cargo do Supremo Tribunal Federal, o qual reconheceu a repercussão geral da matéria em 2020. Desde então, o RE nº 1.276.977 corresponde ao Tema de Repercussão Geral nº 1102, que desafia o STF ao julgamento sobre a constitucionalidade da tese já definida pelo STJ.

Linha do tempo 

O RE nº 1.276.977 foi protocolado no STF em 22/06/2020. Pouco mais de dois meses depois, em 28/08/2020, o Tribunal, por maioria, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada no recurso.
Em 01/10/2020 o processo foi distribuído ao Min. Marco Aurélio, para que assumisse a sua relatoria – ou seja, a partir de então, caberia ao Min. Marco Aurélio a condução do processo e a 
elaboração do voto que conduziria o seu julgamento futuro.
Já em maio de 2021, foi determinada a inclusão do processo em pauta, para o julgamento do recurso em sessão virtual, agendada entre os dias 4 e 11 de junho daquele ano. Por este meio de julgamento – regulamentado essencialmente pelo Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e pelas Resoluções nº 642/19 e 669/20 da Presidência da Corte –, não há uma sessão pública, como costumamos ver na TV Justiça, mas virtual. Por sua sistemática, abre-se prazo para o julgamento e cada um dos Ministros que compõem os respectivos colegiados registram o seu voto, a começar pelo Relator. O procedimento de julgamento dura seis dias
úteis, da 0 hora do primeiro dia às 24 horas do último.
Pois bem – e isso é importante: iniciado o julgamento do RE nº 1.276.977 em 04/06/2021, o seu transcurso foi suspenso no dia 11, por um pedido de vista do Min. Alexandre de Moraes. Na oportunidade, 10 ministros já haviam depositado os seus votos, como fora registrado na ata do julgamento, publicada no dia 26/06/2021. O placar era de empate, 5 a 5. Os Ministros Edson Fachin, Cármen Lúcia, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski acompanharam o Relator, Min.
Marco Aurélio, pelo não provimento do recurso extraordinário. Já os Ministros Dias Toffoli, Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Luiz Fux acompanharam o Min. Nunes Marques, que, em divergência, dava provimento ao recurso do INSS.
A retomada do julgamento se deu em fevereiro deste ano de 2022, com a reinclusão do processo em pauta, para o julgamento do recurso em sessão virtual, agendada agora entre os dias 25/02 e 08/03. Logo no primeiro dia da sessão, o Min. Alexandre de Moraes registrou o seu voto pelo não provimento do recurso extraordinário, acompanhando também o Relator. A partir daí, a semana foi de grande expectativa entre os segurados.
Grandes expectativas, todavia, podem gerar grandes frustações. No que foi considerada imediatamente pela grande imprensa como uma manobra regimental1 , inconformado com a derrota do seu voto divergente, o qual sinalizava essencialmente para eventual “impacto econômico que seria suportado pela Autarquia Previdenciária, ao ponto de afetar a sua sustentabilidade econômica a médio prazo”, restando poucos minutos para o encerramento da sessão virtual do STF, o Ministro Nunes Marques apresentou pedido de destaque para que a matéria fosse julgada em plenário – ou seja, com a participação de ministros, advogados e membro do Ministério Público no debate das matérias levadas ao Plenário da Corte, mesmo que por videoconferência, com transmissão pública pelo “Youtube”, no canal da TV Justiça.

A manobra regimental
A manobra regimental noticiada pretende aproveitar-se da redação do art. 4º, caput e inciso I, da Resolução nº 642/19 da Presidência do STF, dos quais, conjugados com os seus §§ 1º e 2º, obtém-se a seguinte conclusão literal: quando submetido o julgamento do processo a ambiente virtual, havendo pedido de destaque feito por qualquer ministro, o processo será encaminhado ao colegiado competente para inclusão em nova pauta presencial, quando será submetido a novo julgamento (“§ 2º Nos casos de destaques, previstos nos incisos I e II, o julgamento será reiniciado”).
Havendo novo julgamento, ou melhor, “reiniciado” o julgamento (§ 2º do art. 4º da Resolução nº 642/19), estando aposentado o Min. Marco Aurélio, Relator, votaria em seu lugar o Min. André Mendonça, nomeado para sua vaga. Dada a conhecida afinidade do referido ministro com o Governo Federal e sua suscetibilidade aos argumentos meramente econômicoorçamentários, a tendência seria, como Relator, apresentar novo voto pela procedência do RE nº 1.276.977, o que proporcionaria um placar de 6 votos a 5 contrários à tese da revisão da vida toda, frustrando a expectativa dos segurados.
Tem-se a convicção, todavia, que a manobra intentada não será acolhida pela maioria dos Ministros que integram o Supremo Tribunal Federal.

O regimento interno do STF é lei material!

Diz-se isso porque não há espaço no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF) e sequer em suas normas complementares para a artimanha noticiada.
Como bem se sabe, compete privativamente aos tribunais eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos (Cf, art. 96, I, “a”).
Para o STF, “esta atribuição constitucional decorre de sua independência em relação aos Poderes Legislativo e Executivo. Esse poder, já exercido sob a Constituição de 1891, tornou-se expresso na Constituição de 34, e desde então vem sendo reafirmado, a despeito dos sucessivos distúrbios institucionais. A Constituição subtraiu ao legislador a competência para dispor sobre a economia dos tribunais e a estes a imputou, em caráter exclusivo. Em relação à economia interna dos tribunais a lei é o seu regimento. O regimento interno dos tribunais é lei material.
Na taxinomia das normas jurídicas o regimento interno dos tribunais se equipara à lei” (ADI-MC nº 1105/DF, Rel. Min. PAULO BROSSARD, DJ 27/4/2001).
Lido o conteúdo do RISTF, em especial depois das alterações que lhe foram introduzidas pela Emenda Regimento nº 53, de 18 de março de 2020, tem-se que o eixo central da manobra do Min. Nunes Marques foi quebrado pela redação do seu art. 21-B (Seção II – Do Relator), que por seu § 3º estabelece: “§ 3º No caso de pedido de destaque feito por qualquer ministro, o relator encaminhará o processo ao órgão colegiado competente para julgamento presencial, com publicação de nova pauta”. Já não há mais o comando de reinício do julgamento, do qual deriva a interpretação da imposição de uma nova coleta de votos de cada um dos membros da Corte –
dentre eles o do Min. André Mendonça, em substituição ao Relator original, o Min. Marco Aurélio.
Tome-se, também, o art. 134, § 1º, do RISTF (Título III – Das Sessões, Capítulo I – Disposições Gerais), segundo o qual, reiniciado o julgamento depois de vista dos autos pedida por qualquer dos ministros, “serão computados os votos já proferidos pelos Ministros, ainda que não compareçam ou hajam deixado o exercício do cargo”.
Isso quer dizer que, reiniciado julgamento em 25/02/2022, depois da vista dos autos solicitada pelo Min. Alexandre de Moraes em 11/06/2021, mesmo em seguida do intempestivo e inoportuno pedido de destaque feito pelo Min. Nunes Marques, não há espaço interpretativo possível para a desconsideração do voto do Min. Marco Aurélio, proferido na condição de Relator, devendo ser ele obrigatoriamente computado, por ter “deixado o exercício do cargo” (RISTF, art. 134, § 1º). É lei!
No mesmo sentido é o § 1º do art. 941 do CPC: “o voto poderá ser alterado até o momento da proclamação do resultado pelo presidente, salvo aquele já proferido por juiz afastado ou substituído”. A primeira parte dessa disposição, todavia, parece autorizar a alteração do voto, até o momento da proclamação do resultado pelo presidente, por aquele ministro ainda remanescente na Corte – situação de rara ocorrência no âmbito do Supremo Tribunal Federal.
Por sua relevância e na linha do que aqui se sustenta, registra-se a “Questão de Ordem” suscitada por Vanderlei Martins de Medeiros (Petição nº 17.073/2022), em 16/03/2022, pela qual requer “seja decretada a anulação do pedido de destaque”, pelos diversos argumentos que apresenta.
Não menos importante foi a questão de ordem apresentada nos autos da ADI nº 6.630, posta a julgamento na sessão do Pleno do STF do dia 09/03 último, pela qual foi requerida a renovação das sustentações orais. Como no RE nº 1.276.977, nessa ADI sucederam-se o início do julgamento em sessão virtual e pedidos de vista, inclusive com a submissão do processo, em destaque, para julgamento em plenário presencial. Na oportunidade, os atos já consolidados em sessão virtual foram revalidados, inclusive as sustentações orais. Disse, então, a Min. Cármen Lúcia: “digamos que tivesse havido ali, nos votos que já foram tomados, alguém que se aposentou, que na minha compreensão do Regimento não permite sequer o destaque, porque o Regimento impede esse tipo de situação. O voto tomado do aposentado, que estava no exercício regular, não pode ser desfeito”2 . A questão é idêntica.

Novo julgamento: expectativas

Como visto, a intenção do pedido de destaque é clara e o objetivo é retomar a discussão sobre tese que já havia sido superada pela maioria dos ministros que compõem o Supremo Tribunal Federal. Retomada de discussão em que se pretende submeter à Corte o argumento econômicoorçamentário, apresentado pela Secretaria de Previdência do Ministério da Economia, que não representa estudo, tampouco traz dados consistentes, evidenciando uma articulação voltada aos interesses do Governo, em detrimento dos inúmeros segurados prejudicados por anos recebendo um benefício aquém do que têm direito, e para o qual contribuíram dentro das regras da lei.
A manobra evidentemente não prospera, violando sistematicamente o próprio Regimento do Supremo Tribunal Federal, que não permite a desconsideração dos votos já computados, tampouco no caso em apreço, principalmente considerando a aposentadoria do Ministro Marco Aurélio e sua prévia função de relator.
A ratificação e consideração dos votos já computados pelos demais Ministros integrantes do Supremo Tribunal Federal é medida impositiva, para que se evite não só no caso da revisão da vida toda, mas em todos os julgamentos por vir, futuros pedidos de destaque em razão de manobras que busquem alterar o resultado do julgado com a mudança da composição do Supremo Tribunal Federal. É medida insensata, que além de promover violação ao regimento e função precípua do Supremo Tribunal Federal, faz prevalecer o interesse pessoal de uns sobre os demais, impondo a alteração do julgamento na força bruta.
Por fim, reincluído o RE nº 1.276.977 em pauta presencial, física, para a conclusão e proclamação do resultado do seu julgamento, honrada a sua competência precípua de guarda da Constituição, como inscrito no art. 102 da Carta, só restará ao Supremo Tribunal Federal referendar os votos já proferidos, deixando clara mensagem àqueles que procuram influenciar, com intempestivas e inoportunas manobras, o entendimento já manifestado pela maioria dos seus membros: não passarão!
Brasília, 18 de março de 2022.

Ricardo Quintas Carneiro é Sócio da LBS Advogados.
Carlos Fernandes Coninck Júnior é Advogado da LBS Advogados.

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